Vestibular da UFPR (2010)

As questões de Literatura da UFPR se concentram na análise das dez obras indicadas no Guia do Candidato. Confira aqui quais são as obras e as sinopses.

- FELICIDADE CLANDESTINA, DE CLARICE LISPECTOR;
Reunião de 25 relatos curtos publicados semanalmente no Jornal do Brasil, em 1967, Felicidade Clandestina é considerado o livro mais autobiográfico de Clarice Lispector, reforçado pelo foco narrativo na primeira pessoa do singular. São crônicas independentes, mas há uma espécie de costura invisível entre elas que garante unidade e a ideia de um narrador constante.
O aluno que apenas lê o texto sem interpretá-lo subjetivamente pode ter problemas, já que o texto de Clarice não é objetivo e sua busca está no significado existencial do ser humano. A UFPR costuma testar os conhecimentos do vestibulando quanto ao contexto histórico da obra. Neste caso, o aluno deve estudar os traços do Modernismo e saber dimensionar Clarice Lispector na terceira geração, marcada pela reflexão, inovação estilística e o uso de metalinguagem.
Gênero
Contos
Narrador
Narrativa em primeira pessoa do singular, recurso que por vezes mescla a noção de personagem e autor. Em alguns contos é possível identificar personagens como alter-egos de Clarice, como a menina do conto-título de Felicidade Clandestina.
Personagens principais
Ainda que distintos em cada crônica, trazem características semelhantes. São tipos comuns, irrelevantes aos olhos da sociedade, em cenas corriqueiras do cotidiano. Entretanto, a autora valoriza seu momento interior e cristaliza seu processo de epifania – revelação, descoberta diante de um acontecimento mínimo, mas capaz de transformar a perspectiva dos personagens. Apesar de minuciosamente descritos, sua descrição não é objetiva. Em Clarice, a descrição física é apenas um atalho para a descrição psicológica. Os personagens do livro não têm nome, o que gera maior identificação e provoca a catarse do leitor, que é capaz de sentir emoções de vivências que não são suas.
Tempo
Assim como o conteúdo analítico dos contos, o tempo também não é objetivo. O fluxo de consciência em Clarice Lispector torna embaçada a noção de tempo. No conto-título, sabe-se que o tempo é a infância, embora ao final a autora evidencie o processo de amadurecimento da protagonista. De forma geral, há uma percepção temporal alterada, já que a ação do conto pode ter se passado em poucos dias, mas tem-se a impressão de que o suplício da menina durou uma eternidade.
Espaço
A construção espacial é simples, retratando o cotidiano infantil de uma menina comum em Recife. Mas Stella Bello lembra: “Felicidade clandestina é uma obra metafísica, que rompe com os limites de espaço-tempo por meio do fluxo da consciência, característica que a autora explorou de várias formas, sempre mantendo uma estética própria.”
Fonte: Stella Bello, Especialista em Literatura Brasileira e professora da disciplina no curso Dynâmico.

- DOM CASMURRO, DE MACHADO DE ASSIS;
Em forma de flashback, o personagem Bentinho narra sua história como forma de “atar as duas pontas de sua vida” e reconstruir o tempo perdido de sua existência. A obra Dom Casmurro retrata dois momentos distintos: a convivência com a amiga Capitu na adolescência e seu casamento, época marcada pelo ciúme de Bentinho diante da suspeita de traição de Capitu com seu melhor amigo, Ezequiel Escobar. Sofrendo com esta hipótese, Bentinho se torna cada vez mais isolado, daí a alcunha Casmurro.
Machado de Assis pertenceu a duas correntes literárias, o Romantismo e o Realismo, da qual faz parte Dom Casmurro. Entre as características machadianas estão a ironia e o ceticismo, o tom de conversa com o leitor, a reflexão metalinguística e a intertextualidade (no caso de Dom Casmurro, com a obra Otelo, de Shakespeare).
Gênero
Romance
Narrador
Contada na primeira pessoa do singular por Bentinho, já viúvo, a narrativa transparece uma ótica subjetiva e unilateral. Todas as informações são apresentadas ao leitor pelo ponto de vista do narrador, oferecendo apenas um lado da história. Como Capitu já está morta, não pode se defender das acusações de adultério, levando o leitor a assumir como verdadeira a versão de Bentinho. Mas é bom lembrar que a suposta traição nunca é confirmada, deixando o fato em aberto na obra de Machado. “O aluno pode achar que o tema central do livro é a traição de Capitu, mas na verdade é o ciúme de Bentinho”, avisa o professor de Literatura Brasileira Pablo Gomes. De acordo com ele, o vestibulando precisa estar atento a este detalhe para não cair em “pegadinha”.

Personagens principais
Machado de Assis costuma trabalhar com personagens que agem apenas por interesses pessoais.
Bento Santiago, o Bentinho: Narrador, protagonista e pseudoautor da obra. O título do livro reflete sua característica mais marcante: o isolamento decorrente de seu sofrimento pela suposta traição de Capitu. Mimado por toda a família, é extremamente inseguro e dependente, característica que pode explicar seu ciúme doentio pela jovem. Ao contrário do desejo de sua mãe, Dona Glória, não pretendia ser padre, e sim casar-se com Capitu. Curiosamente, era Capitu quem elaborava os planos para Bentinho não entrar no seminário.
Capitolina, a Capitu: Amiga de infância de Bentinho, um ano mais jovem. Na percepção de Bentinho, desde a adolescência tinha o poder de manipular as pessoas. Seus olhos são claros e misteriosos, a ponto de despertar no narrador a comparação com a ressaca do mar. É esperta, inteligente e extrovertida.
José Dias: Agregado da família e “amante dos superlativos”, vivia de favores na casa dos Santiago, na Rua Matacavalos. Foi quem observou que Capitu possuía “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”.
Ezequiel Escobar: Rapaz bonito e polido, conheceu Bentinho no Seminário e logo se tornaram amigos inseparáveis. Casou-se com Sancha, a melhor amiga de Capitu. Alvo das desconfianças de Bentinho sobre a suposta traição de Capitu, morreu afogado ao enfrentar a ressaca do mar.
Ezequiel: Único filho de Bentinho e Capitu. Quando mais velho, revelou-se muito parecido fisicamente com Escobar, acentuando as suspeitas de Bentinho. Amante da arqueologia, viajou à Grécia, ao Egito e à Palestina, onde morreu de febre tifóide.
Tempo
O uso do flashback dá a ideia de memória, causando a falsa impressão de a obra ser uma autobiografia de Machado de Assis. O professor Pablo Gomes alerta os vestibulandos para não incorrerem neste erro, já que Dom Casmurro trata da história de Bentinho. Ao longo do livro há muitas referências cronológicas, sendo a primeira o ano de 1857, momento em que José Dias sugere a D. Glória a necessidade de apressar a ida de Bentinho ao seminário. Em 1858 ele vai ao seminário, em 1865 se casa com Capitu e em 1872 se separa. “Um leitor mais atento irá notar que as datas formam um ciclo de 7 em 7 anos, que conclui a trajetória de ascensão, plenitude e morte do sentimento amoroso”, aponta o professor.
Espaço
A obra está situada na cidade do Rio de Janeiro da época do Império, com muitas referências a lugares, bairros, ruas e praças, características herdadas dos romances de folhetins. Há ligeiras passagens em São Paulo, na Europa (onde Capitu morreu) e no Oriente Médio, onde é enterrado Ezequiel.
Fonte: Pablo Alex Laroca Gomes, professor de Literatura dos cursos Dynâmico, Alfa e Acesso

- LEÃO-DE-CHACARÁ, DE JOÃO ANTÔNIO;
Representante da Literatura Contemporânea (1960 – dias atuais), João Antônio é um dos nomes mais representativos do hiper-realismo, ou realismo brutal, pois utiliza a violência urbana como matéria-prima de seus textos. Os contos de Leão-de-chácara mostram a vida de personagens que fazem da noite e da boemia o seu meio e estilo de vida.
O livro aborda temas como a prostituição e o entorno que a estrutura (os cafetões que são sustentados pelas prostitutas e os “otários” que sustentam as prostitutas), a corrupção policial, a violência, o lucro obtido pela malandragem e pelo roubo, e o início do poder dos traficantes.
São quatro contos: três se passam no Rio de Janeiro e um na Boca do Lixo, região degradada do centro da cidade de São Paulo. A linguagem é marcada pela coloquialidade.
Gênero
Contos
Narrador
Três contos são narrados em primeira pessoa (Leão-de-chácara, Joãozinho da Babilônia, Paulinho Perna Torta) e apenas um em terceira pessoa (Três cunhadas – Natal 1960).
Personagens principais
Leão-de-chácara: Leão-de-chácara apelidado de Pirraça (Jaime), personagem-narrador do conto.
Três cunhadas – Natal 1960: o sujeito (sem nome na narrativa) e as três cunhadas (também sem nomes), designando a vida medíocre levada por tantos.
Joãozinho da Babilônia: Joãozinho da Babilônia, personagem-narrador e leão-de-chácara; Guiomar, prostituta que se apaixona por Joãozinho e com ele tem um caso; e Batistão, bacana que sustenta Guiomar.
Paulinho Perna Torta: Paulinho Perna Torta, o personagem-narrador, sujeito que ascende no mundo do crime, mas percebe o seu isolamento e a sua vulnerabilidade.
Tempo
A ação dos contos se desenvolve nas décadas de 1950 e 1960.
Espaço
Os três primeiros contos (Leão-de-chácara, Três cunhadas – Natal 1960, e Joãozinho da Babilônia) se passam na cidade do Rio de Janeiro. O último conto do livro (Paulinho Perna Torta) tem como ambientação o centro antigo de São Paulo, a Boca do Lixo.
Fonte: Fábio Bettes, professor do Curso Positivo


- INOCÊNCIA, DE VISCONDE DE TAUNAY;
Aspectos principais da obra
Publicado na segunda metade do século 19, o romance Inocência pertence à vertente do Romantismo conhecida como regionalismo romântico, caracterizada por apresentar paisagens, costumes e comportamentos típicos de determinadas regiões do Brasil. É nesse aspecto, aliás, que a obra se aproxima do Realismo. Os aspectos do Romantismo podem ser percebidos nos temas trabalhados pelo autor: a idealização do amor e o final trágico.
O dualismo na obra também está presente no enredo e na linguagem. Há uma nítida oposição entre o mundo rural, representado por Pereira, e o mundo urbano, na figura de Meyer. Também há um mescla entre a linguagem culta (expressa pelo narrador) e a linguagem regional (especialmente no discurso de Pereira).
Gênero
Romance
Narrador
Em terceira pessoa e onisciente.
Personagens principais
Pereira: Pai de Inocência. Homem rude, com visão machista e patriarcal, como demonstra o trecho a seguir: “Esta obrigação de casar as mulheres é o diabo! Se não tomam estado, ficam juraras e fanadinhas...; se casam podem cair nas mãos de algum marido malvado... E depois, as histórias! Ih meu Deus, mulheres numa casa, é coisa de meter medo... São redomas de vidro que tudo pode quebrar... Enfim, minha filha, enquanto solteira, honrou o nome de meus pais... O Manecão que se agüente, quando a tiver por sua .. Com gente de saia não há que fiar... Cruz! botam famílias inteiras a perder, enquanto o demo esfrega um olho.”
Inocência: Bela, pura e ingênua. É um exemplo de idealização romântica.
Meyer: Naturalista alemão que pesquisa os insetos da flora brasileira. Representa o mundo urbano e civilizado, que se opõe à concepção machista de Pereira. Essas duas visões de mundo entram em conflito quando Meyer elogia a beleza de Inocência. O que para ele é algo normal, corriqueiro, para Pereira representa uma ofensa, uma transgressão da boa conduta dentro de uma casa de família.
Cirino: Homem bom, mas fraco, que se auto-intitula médico quando na verdade não passa de um curandeiro. Apaixona-se por Inocência e é assassinado por Manecão.
Manecão: Homem rude e violento para quem Inocência está prometida.
Tico: Anão mudo que vigia Inocência.
Tempo
A narrativa se desenrola em meados do século 19.
Espaço
Sertão do Mato Grosso.
Fonte: João Amálio Ribas, professor em Curitiba do Acesso e do Bom Jesus e, em Ponta Grossa, dos colégios Marista e Sagrada Família.

- ANJO NEGRO, DE NELSON RODRIGUES;
O elemento que direciona todas as ações humanas nesta obra de Nelson Rodrigues é a sexualidade, apresentada sempre de forma corrompida. O sexo está o tempo todo relacionado à violência e ao desejo proibido.
Parece haver uma preocupação do autor em perturbar o leitor, utilizando o choque para trazer à tona tudo o que está velado na sociedade. Trata-se de uma tragédia com um desfecho inesperado: embora tudo induza ao fato de que Virgínia será morta pelo marido, a história termina com a morte da filha de Virgínia, tramada pela própria mãe com a ajuda de Ismael.
Escrita em 1946, Anjo Negro rompe com características até então comuns ao teatro brasileiro, como a unidade temporal (história transcorrida ao logo de apenas um dia).
Gênero
Literatura Dramática
Narrador
Na literatura dramática não há um narrador, pois a história é contada em forma de diálogos.
Personagens principais
Ismael: Médico. Homem negro, inescrupuloso e violento. Profundamente recalcado em função de sua cor, diz à filha (Ana Maria) que é branco e a cega para que não perceba a realidade. Da mesma forma, há indícios de que tenha cegado o irmão de criação, branco, por uma ardilosa troca de remédios. Ismael ama o branco, mas com violência, o que fica claro pelo isolamento a que submete a mulher para que ninguém a veja.
Virgínia: Mulher de Ismael, branca, vítima da violência sexual do marido. Logo no início da trama, ela deseja o noivo da prima com quem é criada e se deixa possuir por ele. Ao descobrir a traição, a prima se enforca e a tia de Virgínia, para se vingar pela morte da filha, promove o estupro da sobrinha por Ismael. Virgínia desenvolve a arte da sobrevivência por meio da sexualidade, que é o que vai salvá-la no fim da trama.
Ana Maria: Filha branca de Virgínia, fruto de sua relação extraconjugal com Elias, irmão de criação de Ismael. Inexpressiva na obra, aparece apenas no terceiro ato. É enganada e abusada sexualmente por Ismael.
Elias: Irmão de criação de Ismael, branco. Tudo indica que foi cegado pelo irmão.
Tia (de Virgínia): Mulher vingativa, cruel e superprotetora das filhas.
Tempo
Não fica claro em que momento transcorre a história. Do segundo para no terceiro ato, há um hiato de aproximadamente 15 anos.
Espaço
Não há nenhuma referência à paisagem externa. Toda a história se passa no quintal, na frente e dentro da casa de Ismael.
Fonte: Ênio José Ditterich, mestre em Literatura pela UFPR

- O PAGADOR DE PROMESSAS, DE DIAS GOMES;
A obra O pagador de promessas, escrita na década de 1960, não apresenta forte vinculação com um estilo literário específico, mas contém traços da segunda fase do Modernismo, como o regionalismo e a crítica social. Dias Gomes mostra o conflito entre o homem simples do campo, representado por Zé do Burro, e o homem urbano dissimulado.
Também há um confronto claro entre a visão religiosa do homem do povo, mais emotivo, e o posicionamento burocrático e inflexível da Igreja Católica. A história se passa em Salvador e inclui figuras regionalistas, como o poeta de cordel, a mãe-de-santo e os capoeiristas. O texto apresenta unidade de tema (a teimosia do herói), tempo (a história transcorre ao longo de um dia) e espaço (todos os acontecimentos se passam diante da igreja de Santa Bárbara). Os diálogos são secos e rápidos.
Gênero
Literatura Dramática
Narrador
Na literatura dramática não há narrador, pois a história é contada em forma de diálogos.
Personagens principais
Zé do Burro: Homem do campo, bom, ingênuo e corajoso, porém, obstinado. Há uma analogia entre esse personagem e o burro, animal que não é estúpido e sim teimoso. Como parte da promessa que fez, o protagonista doa parte de suas terras a lavradores pobres e é visto por isso como um revolucionário.
Rosa: Mulher de Zé do Burro. Mostra-se impaciente, fútil e parece sexualmente insatisfeita (o que é ressaltado por Dias Gomes nas rubricas, as anotações feitas pelo autor para orientar a peça).
Padre Olavo: Representa a Igreja Católica. É jovem e honesto, mas intransigente.
Bonitão: Cafetão sedutor, malandro e golpista. Envolve-se com Rosa.
Tempo
A história se passa na época em que foi escrita (década de 1960) e transcorre ao longo de um dia. Questões em pauta no período aparecem na obra, como o anseio pela maior liberdade religiosa, a intolerância da Igreja Católica com relação a outros credos e o tratamento do homem do campo como ignorante.
Espaço
Todos os acontecimentos se passam diante da Igreja de Santa Bárbara, em Salvador, na Bahia.
Fonte: Ênio José Ditterich, mestre em Literatura pela UFPR

- SÃO BERNARDO, DE GRACILIANO RAMOS;
Representante da segunda geração do Modernismo, São Bernardo é um romance narrado em primeira pessoa por Paulo Honório, que se propõe a escrever um livro sobre a própria vida. O narrador faz comentários sobre questões estilísticas de sua autobiografia (escreve sobre o ato de escrever), processo chamado de metalinguagem.
Inescrupuloso e explorador, ele utiliza todos os meios para obter a posse da fazenda São Bernardo e torná-la mais produtiva. Paulo Honório representa a ideologia capitalista, que se choca com o ideal socialista de Madalena, mulher humanitária que não concorda com a forma como o marido trata os empregados.
O narrador reflete sobre a influência do meio em sua personalidade quando afirma: “A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste.”
Gênero
Romance
Narrador
Narrador em primeira pessoa (Paulo Honório)
Personagens principais
Paulo Honório: Homem rude, obcecado pela fazenda São Bernardo.
Madalena: Mulher de Paulo Honório. Representa visão socialista e humanitária, incompatível com o mundo capitalista do marido.
Casimiro Lopes: Capanga de Paulo Honório. É comparado pelo patrão a um cão de guarda.
Luiz Padilha: Ex-proprietário de São Bernardo. Após perder a posse da fazenda, é contratado por Paulo Honório como professor da escola que funciona na propriedade.
Tempo
A narrativa se desenrola na década de 1930.
Espaço
O sertão de Alagoas, que é o estado natal do Graciliano Ramos. Quase todos os romancistas da segunda geração do Modernismo terão suas histórias ambientadas no Nordeste (as histórias de Jorge Amado, por exemplo, se passam na Bahia e as de Raquel de Queiroz, no Ceará).
Fonte: João Amálio Ribas, professor em Curitiba do Acesso e do Bom Jesus e, em Ponta Grossa, dos colégios Marista e Sagrada Família.

- MUITAS VOZES, DE FERREIRA GULLAR;
Escrito em 1999, 12 anos após o livro anterior de Ferreira Gullar, Muitas Vozes é um conjunto de 54 poemas independentes com forte traço memorialístico, que foge a qualquer classificação literária. A obra resgata a polifonia do autor ao longo de sua trajetória como poeta, o que explica as muitas vozes do título.
Mais do que em outros livros, Gullar evoca imagens cotidianas ao mesmo tempo em que faz questionamentos existenciais e explicita sua visão de mundo. O autor pertence ao Modernismo da chamada Geração de 45, caracterizada pelo experimentalismo linguístico e formal, preocupação social e a valorização do raciocínio e do trabalho artesanal do poeta. Autenticidade, lirismo e referências autobiográficas são marcas fortes do autor neste livro.
Temas
Desejo, erotismo (no poema Coito), expressão da morte da esposa (em Thereza), sexo (Definição da moça), a dualidade entre barulho e silêncio (Nasce o poeta e Evocação do silêncio), família (Filhos), figuras políticas (Queda de Allende), referências literárias, como Mallarmé e exílio político (Filho da ilha).
Forma
Trata-se de poemas independentes, divididos em 4 partes: Muitas Vozes, Ao rés da fala, Poemas recentes e Poemas resgatados. Gullar escreve em tom prosaico, com um vocabulário cru e sem rebuscamento. São versos livres, ora longos, ora curtos, por vezes rimados, que não seguem uma linearidade padrão, portanto não respeitam começo, meio e fim. De acordo com a professora Glaucia Lopes, o uso da sinestesia e de metáforas são características presentes no livro. O autor abdica da pontuação e, muitas vezes, se distancia da própria gramática normativa
Fonte: Glaucia Lopes, professora de Literatura Brasileira e Língua Portuguesa do curso Unificado.


- ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA, DE CECÍLIA MEIRELES;
Publicado em 1953, Romanceiro da Inconfidência é um poema lírico-narrativo de viés histórico que evoca em versos os personagens e o contexto da Inconfidência Mineira.
A obra destoa do conjunto de Cecília Meireles, pois ela distancia-se de sua condição de poeta neo-simbolista e dos ideais da segunda fase modernista para mergulhar no arcadismo do século 18. Pode haver confusão quanto à caracterização do “boom minerador”, o que pode se evitar se observados os elementos da tradição lendária (caçador que se embrenha na mata, a donzela assassinada pelo pai, os cantos do negro nas catas, a que se podem associar os romances Do Chico-Rei e o De Vira-e-Sai) e os elementos da tradição histórica (Chica da Silva, o ouvidor Bacelar, a cobiça do conde de Valadares e as ideias de libertação relacionadas ao momento histórico).
Forma
Romanceiro da Inconfidência é, na verdade, um grande poema em prosa composto a partir de cinco eixos temáticos: ambiente e contexto; articulação e fracasso; morte de Claudio Manuel da Costa e Tiradentes; infidelidade de Gonzaga e Alvarenga; conclusão e D. Maria I. Para o professor Marlus Geronasso, este pode ser considerado um dos livros mais difíceis do Vestibular da UFPR, porque exige do aluno um conhecimento prévio dos ideais árcades. A linguagem também pode ser um dificultador para quem conhece a obra de Cecília Meireles, já que a autora distancia-se do coloquialismo e resgata expressões em desuso da língua portuguesa.
Personagens
O leitor vai encontrar menções a conhecidos personagens da Inconfidência Mineira, como Cláudio Manuel da Costa e as circunstancias misteriosas envolvendo sua morte, o poeta árcade Tomás Antonio Gonzaga e a Marília de Dirceu, o minerador José de Alvarenga Peixoto e sua esposa Bárbara, além do mártir Tiradentes.
Tempo
Embora a obra não adote uma cronologia e passagem temporal, ela está situada no século XVIII e abrange desde o período que antecede a revolta até a morte dos inconfidentes, quando Cecília Meireles homenageia os heróis da tragédia mineira.
Espaço
A autora não faz alusões diretas ao espaço geográfico evocado na narrativa, já que sua intenção é valorizar os personagens da história, mas sabe-se que o palco dos acontecimentos é a cidade de Vila Rica, centro do poder da então capitania de Minas Gerais, hoje Ouro Preto.
Fonte: Marlus Humberto Geronasso, professor de Literatura do curso Unificado e coordenador do projeto Eureka, da TV Educativa do Paraná.

- URUPÊS, DE MONTEIRO LOBATO
Coletânea de contos e crônicas em que o pré-modernista Monteiro Lobato inaugura um tipo de regionalismo crítico e mais realista do que o pitoresco e fantasioso praticado anteriormente, no Romantismo. A crônica que dá título ao livro, Urupês, traz uma visão depreciativa do caboclo brasileiro, o “fazedor de desertos”, estereótipo contrario à visão romântica dos autores modernistas.
Apesar de Monteiro Lobato representar a transição entre o Realismo/Naturalismo e as correntes do Modernismo, o autor se indispôs profundamente com os escritores modernistas da primeira geração, que responderam a Urupês com a obra Juca Mulato, de Menotti del Picchia. Entre os traços típicos de Monteiro Lobato, estão o tom moralizante e didático que também aparece nas obras infantis do autor, além de sua obsessão pela linguagem e gramática.
Narrador
Varia entre primeira e terceira pessoa. Na explicação do mestre em Literatura Enio José Ditterich, o típico narrador de Monteiro Lobato é aquele “contador de causos”, um personagem que ouviu a história que está reproduzindo.
Personagens
Monteiro Lobato apresenta o homem como produto do meio, e utiliza traços do expressionismo alemão para compor muitos dos personagens de Urupês, incluindo o caboclo Jeca Tatu da crônica-título do livro. “Dentro da estética expressionista, o mais evidente é o Bocatorta, criatura grotesca apresentada em um dos contos do livro, semelhante ao Corcunda de Notre Dame”, compara Enio Ditterich. Tipos oportunistas, como o malandro vigarista, estão presentes em Urupês, como no conto O comprador de Fazendas. Ênio sugere atenção redobrada na leitura da crônica que nomeia o livro, mas avisa que é preciso compreender muito bem o contexto histórico-social brasileiro do período a que pertenceu Monteiro Lobato, pois o autor está intimamente relacionado a ele.
Tempo
Está vinculado ao período do autor, portanto retrata o Brasil das primeiras décadas do século XX. “Costumo dizer que Monteiro Lobato é o homem que inventou a máquina do tempo, porque suas descrições minuciosas de um Brasil primitivo, arborizado e provinciano fazem o leitor ser transportado para o período em que a história é narrada”, revela Enio Ditterich.
Espaço
Em Urupês, o espaço é bem definido, enfocando a paisagem do interior do estado de São Paulo, onde nasceu o autor. Lobato faz uma descrição detalhada da geografia, fauna e flora da região, o que pode ser enfadonho especialmente para o leitor urbano. “Por conta da destruição do meio ambiente, muitas espécies descritas pelo autor em Urupês já não existem mais e, portanto, são desconhecidas do leitor mais jovem”, avalia. Nesse sentido, a obra está presa a seu tempo e espaço particulares. Mas, se o leitor tem conhecimento e curiosidade, irá descortinar um novo mundo”, afirma. Para Enio Ditterich, Monteiro Lobato tinha uma postura altamente ecológica bem antes deste termo estar na moda.
Fonte: Pablo Alex Laroca Gomes, professor de Literatura dos cursos Dynâmico, Alfa e Acesso


LITERATURA. In.: Gazeta do Povo. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vestibular2009/literatura/.